segunda-feira, 25 de julho de 2011

Nós não merecemos nada

Depois de tanto tempo sem blogar e sem sequer dar aquela espiadinha nos blogs favoritos, só lendo jornal, placa de trânsito e bula de remédio, vim correr atrás do prejuízo e postar coisas interessantes que encontrei nos bloggs alheios, porque além dessas tristes pobres linhas, não tenho nada novo pra dizer ("hay días que no sé lo que me pasa", eu abro os olhos na frente do espelho e enxergo o avesso da minha própria nuca...). 
Esta pérola que quero ajudar a dispersar pela rede daqui do meu modesto bloguinho eu também encontrei no blog da Maria Frô (esta mulher que ainda vou poder chamar de companheira!). Lá ela postou o texto com o seguinte comentário: "Dica da Elianne Abreu, leitura fortemente indicada aos pais, especialmente os de classe média." Concordo com ela mas, olhando para alguns momentos da minha não tão longa vida, tenho também que admitir que algumas vezes esta carapuça me serviu. Gostaria por isso de agregar ao prólogo da Maria Frô: "leitura fortemente indicada aos filhos, especialmente os de classe média". 
Aí vai...

Meu filho, você não merece nada
Por: Eliane Brum, Época
11/07/2011
A crença de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais preparada
Ao conviver com os bem mais jovens, com aqueles que se tornaram adultos há pouco e com aqueles que estão tateando para virar gente grande, percebo que estamos diante da geração mais preparada – e, ao mesmo tempo, da mais despreparada. Preparada do ponto de vista das habilidades, despreparada porque não sabe lidar com frustrações. Preparada porque é capaz de usar as ferramentas da tecnologia, despreparada porque despreza o esforço. Preparada porque conhece o mundo em viagens protegidas, despreparada porque desconhece a fragilidade da matéria da vida. E por tudo isso sofre, sofre muito, porque foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi ensinada a criar a partir da dor.
Há uma geração de classe média que estudou em bons colégios, é fluente em outras línguas, viajou para o exterior e teve acesso à cultura e à tecnologia. Uma geração que teve muito mais do que seus pais. Ao mesmo tempo, cresceu com a ilusão de que a vida é fácil. Ou que já nascem prontos – bastaria apenas que o mundo reconhecesse a sua genialidade.
Tenho me deparado com jovens que esperam ter no mercado de trabalho uma continuação de suas casas – onde o chefe seria um pai ou uma mãe complacente, que tudo concede. Foram ensinados a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. E quando isso não acontece – porque obviamente não acontece – sentem-se traídos, revoltam-se com a “injustiça” e boa parte se emburra e desiste.
Como esses estreantes na vida adulta foram crianças e adolescentes que ganharam tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, desconhecem que a vida é construção – e para conquistar um espaço no mundo é preciso ralar muito. Com ética e honestidade – e não a cotoveladas ou aos gritos. Como seus pais não conseguiram dizer, é o mundo que anuncia a eles uma nova não lá muito animadora: viver é para os insistentes.
Por que boa parte dessa nova geração é assim? Penso que este é um questionamento importante para quem está educando uma criança ou um adolescente hoje. Nossa época tem sido marcada pela ilusão de que a felicidade é uma espécie de direito. E tenho testemunhado a angústia de muitos pais para garantir que os filhos sejam “felizes”. Pais que fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade.
É como se os filhos nascessem e imediatamente os pais já se tornassem devedores. Para estes, frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço? Ou a falta e a busca, duas faces de um mesmo movimento? Existe alguém que viva sem se confrontar dia após dia com os limites tanto de sua condição humana como de suas capacidades individuais?
Nossa classe média parece desprezar o esforço. Prefere a genialidade. O valor está no dom, naquilo que já nasce pronto. Dizer que “fulano é esforçado” é quase uma ofensa. Ter de dar duro para conquistar algo parece já vir assinalado com o carimbo de perdedor. Bacana é o cara que não estudou, passou a noite na balada e foi aprovado no vestibular de Medicina. Este atesta a excelência dos genes de seus pais. Esforçar-se é, no máximo, coisa para os filhos da classe C, que ainda precisam assegurar seu lugar no país.
Da mesma forma que supostamente seria possível construir um lugar sem esforço, existe a crença não menos fantasiosa de que é possível viver sem sofrer. De que as dores inerentes a toda vida são uma anomalia e, como percebo em muitos jovens, uma espécie de traição ao futuro que deveria estar garantido. Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é um direito. E a frustração um fracasso. Talvez aí esteja uma pista para compreender a geração do “eu mereço”.
Basta andar por esse mundo para testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não é como os pais tinham lhes prometido. Expressão que logo muda para o emburramento. E o pior é que sofrem terrivelmente. Porque possuem muitas habilidades e ferramentas, mas não têm o menor preparo para lidar com a dor e as decepções. Nem imaginam que viver é também ter de aceitar limitações – e que ninguém, por mais brilhante que seja, consegue tudo o que quer.
A questão, como poderia formular o filósofo Garrincha, é: “Estes pais e estes filhos combinaram com a vida que seria fácil”? É no passar dos dias que a conta não fecha e o projeto construído sobre fumaça desaparece deixando nenhum chão. Ninguém descobre que viver é complicado quando cresce ou deveria crescer – este momento é apenas quando a condição humana, frágil e falha, começa a se explicitar no confronto com os muros da realidade. Desde sempre sofremos. E mais vamos sofrer se não temos espaço nem mesmo para falar da tristeza e da confusão.
Me parece que é isso que tem acontecido em muitas famílias por aí: se a felicidade é um imperativo, o item principal do pacote completo que os pais supostamente teriam de garantir aos filhos para serem considerados bem sucedidos, como falar de dor, de medo e da sensação de se sentir desencaixado? Não há espaço para nada que seja da vida, que pertença aos espasmos de crescer duvidando de seu lugar no mundo, porque isso seria um reconhecimento da falência do projeto familiar construído sobre a ilusão da felicidade e da completude.
Quando o que não pode ser dito vira sintoma – já que ninguém está disposto a escutar, porque escutar significaria rever escolhas e reconhecer equívocos – o mais fácil é calar. E não por acaso se cala com medicamentos e cada vez mais cedo o desconforto de crianças que não se comportam segundo o manual. Assim, a família pode tocar o cotidiano sem que ninguém precise olhar de verdade para ninguém dentro de casa.
Se os filhos têm o direito de ser felizes simplesmente porque existem – e aos pais caberia garantir esse direito – que tipo de relação pais e filhos podem ter? Como seria possível estabelecer um vínculo genuíno se o sofrimento, o medo e as dúvidas estão previamente fora dele? Se a relação está construída sobre uma ilusão, só é possível fingir.
Aos filhos cabe fingir felicidade – e, como não conseguem, passam a exigir cada vez mais de tudo, especialmente coisas materiais, já que estas são as mais fáceis de alcançar – e aos pais cabe fingir ter a possibilidade de garantir a felicidade, o que sabem intimamente que é uma mentira porque a sentem na própria pele dia após dia. É pelos objetos de consumo que a novela familiar tem se desenrolado, onde os pais fazem de conta que dão o que ninguém pode dar, e os filhos simulam receber o que só eles podem buscar. E por isso logo é preciso criar uma nova demanda para manter o jogo funcionando.
O resultado disso é pais e filhos angustiados, que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar não a frustração que move, mas aquela que paralisa.
Quando converso com esses jovens no parapeito da vida adulta, com suas imensas possibilidades e riscos tão grandiosos quanto, percebo que precisam muito de realidade. Com tudo o que a realidade é. Sim, assumir a narrativa da própria vida é para quem tem coragem. Não é complicado porque você vai ter competidores com habilidades iguais ou superiores a sua, mas porque se tornar aquilo que se é, buscar a própria voz, é escolher um percurso pontilhado de desvios e sem nenhuma certeza de chegada. É viver com dúvidas e ter de responder pelas próprias escolhas. Mas é nesse movimento que a gente vira gente grande.
Seria muito bacana que os pais de hoje entendessem que tão importante quanto uma boa escola ou um curso de línguas ou um Ipad é dizer de vez em quando: “Te vira, meu filho. Você sempre poderá contar comigo, mas essa briga é tua”. Assim como sentar para jantar e falar da vida como ela é: “Olha, meu dia foi difícil” ou “Estou com dúvidas, estou com medo, estou confuso” ou “Não sei o que fazer, mas estou tentando descobrir”. Porque fingir que está tudo bem e que tudo pode significa dizer ao seu filho que você não confia nele nem o respeita, já que o trata como um imbecil, incapaz de compreender a matéria da existência. É tão ruim quanto ligar a TV em volume alto o suficiente para que nada que ameace o frágil equilíbrio doméstico possa ser dito.
Agora, se os pais mentiram que a felicidade é um direito e seu filho merece tudo simplesmente por existir, paciência. De nada vai adiantar choramingar ou emburrar ao descobrir que vai ter de conquistar seu espaço no mundo sem nenhuma garantia. O melhor a fazer é ter a coragem de escolher. Seja a escolha de lutar pelo seu desejo – ou para descobri-lo –, seja a de abrir mão dele. E não culpar ninguém porque eventualmente não deu certo, porque com certeza vai dar errado muitas vezes. Ou transferir para o outro a responsabilidade pela sua desistência.
Crescer é compreender que o fato de a vida ser falta não a torna menor. Sim, a vida é insuficiente. Mas é o que temos. E é melhor não perder tempo se sentindo injustiçado porque um dia ela acaba.
   Divulgação
ELIANE BRUM
Jornalista, escritora e documentarista. Ganhou mais de 40 prêmios nacionais e internacionais de reportagem. É autora de Coluna Prestes – O Avesso da Lenda (Artes e Ofícios), A Vida Que Ninguém Vê(Arquipélago Editorial, Prêmio Jabuti 2007) e O Olho da Rua (Globo). E-mail: elianebrum@uol.com.br Twitter: @brumelianebrum

Jean Wyllys para os leitores da Revista Época

Depois de uma sumida geral, volto com essa "entrevista" que os leitores da Época fizeram ao deputado federal Jean Wyllys. A entrevista eu copiei da Maria Frô, que além disso postou um comentário bastante interessante. Aí vai o link, para os que estiverem interessados em seu comentário também http://mariafro.com.br/wordpress/2011/07/23/mais-uma-aula-magna-de-jean-wyllys-se-homofobicos-e-fundamentalistas-nao-entenderem-so-desenhando/ ). Faço questão de ressaltar a clareza de objetivos como militante político e a consciência de seu papel como representante do povo que Jean Wyllys demonstra em cada uma de sua resposta. É isso aí Jean: eu acredito e voto para que o Brasil tenha mais políticos como você.

Jean Wyllys: “Não me apego só à bandeira gay”
REDAÇÃO ÉPOCA
24/07/2011
O deputado, ex-BBB e professor universitário responde a perguntas dos leitores de ÉPOCA
Em meio a 513 deputados, não é difícil passar os quatro anos de mandato sem ser notado. Não é o que pretende Jean Wyllys (PSOL-RJ). Em seis meses de Congresso, o deputado se tornou o principal porta-voz da Frente Parlamentar Gay, em um momento no qual os debates sobre as políticas contra a homofobia estão acalorados. Na briga para aprovar o projeto de lei que torna crime a discriminação de homossexuais, enfrenta a resistência de uma bancada poderosa: os evangélicos. “Os deputados evangélicos têm lá suas opiniões acerca da homossexualidade, todas baseadas em seus dogmas religiosos e não no conhecimento científico que a humanidade acumulou no último século”, diz.
Respondendo a perguntas feitas pelos leitores de ÉPOCA, o professor universitário e jornalista que ficou famoso ao ganhar a quinta edição do Big Brother Brasil, em 2005, afirma que seu trabalho parlamentar não se restringe à defesa dos direitos dos homossexuais e que é desafiador dialogar em uma Câmara que sofre de uma “queda de qualidade intelectual e moral.”
ENTREVISTA – JEAN WYLLYS
Sérgio Lima/Folhapress
QUEM É
Baiano, jornalista, professor universitário e mestre em letras e linguística pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)
O QUE FAZ
Está em seu primeiro mandato na Câmara dos Deputados e é o principal nome da Frente Parlamentar Gay
O QUE FEZ
Ganhou o reality show Big Brother Brasil, em 2005. Publicou três livros: AflitosAinda lembro e Tudo ao mesmo tempo agora
O senhor e o seu partido batalham por uma legislatura mais digna e ética, voltada aos interesses sociais. Quais os maiores desafios parlamentares num congresso que, notoriamente, apresenta queda de qualidade da representação a cada legislatura?
Marcelo Möass, Rio de Janeiro/RJ
Jean Wyllys - O desafio é enfrentar, na atuação parlamentar e na esfera pública, essa queda de qualidade sendo minoria na Câmara; o desafio é ter de dialogar com os deputados que representam essa queda de qualidade intelectual e moral.
Por que você, sendo baiano, defendendo na Bahia os direitos dos homossexuais,veio para o Rio de Janeiro pra ser candidato a Deputado Federal?
Jorge Luiz Fernandes
Wyllys - Primeiro porque eu sou livre e porque as fronteiras do Rio não estão fechadas a pessoas de outros Estados que decidam construir ou reconstruir suas vidas aí; segundo porque, quando eu decidi me candidatar, já morava no Rio há quase seis anos e, portanto, havia transferido, para o Rio, o meu domicílio eleitoral e, no Rio, eu pagava meus impostos; terceiro porque o Rio não é feito só de fluminenses aí nascidos, mas também por centenas de milhares de migrantes nordestinos, inclusive baianos, que escolheram o Estado para viver e com o qual colaboram com seu trabalho (basta olhar para a Rocinha e para o Complexo da Maré); por fim, o Rio tem a tradição de eleger políticos não-fluminenses como Brizola [ex-governador Leonel Brizola, 1922-2004, gaúcho], Gabeira [ex-deputado federal Fernando Gabeira, mineiro] e Lindberg Farias [senador, paraibano]. Por outro lado, o governador da Bahia [Jaques Wagner] é carioca. Além disso, caro Jorge, caso não esteja lembrado, sou deputado federal, legislo para a federação e não apenas para o Estado do Rio, que eu amo.
O senhor assumiu sua opção sexual em rede nacional, mas na Bahia chegou a atuar em comunidades da Igreja Católica. O senhor já era homossexual assumido na época? Chegou a sofrer algum tipo de preconceito por parte de membros da igreja ou o assunto não era tratado tão abertamente?
Andréa Nunes, Vila Velha/ES
Wyllys - Assumi minha orientação sexual (a homossexualidade definitivamente não é uma opção ou uma questão de opção; assim como a heterossexualidade, é tecida numa relação íntima entre natureza – genética e biologia – e cultura) aos 16 anos de idade. Em rede nacional, apenas disse e mostrei uma identidade sexual que já havia assumido há anos. Aos 16, me afastei do movimento pastoral da igreja católica e da comunidade eclesial de base, não porque havia sido discriminado lá, mas porque havia sido aprovado para a Fundação José Carvalho, um colégio interno filantrópico e de referência voltado para alunos de escolas públicas da Bahia que tivessem média acima de 8. Me afastei da Igreja Católica de uma forma geral porque o discurso da instituição principalmente acerca da homossexualidade – principalmente aquele proferido por sua ala conservadora, que é a maioria – me ofende profundamente, assim como me ofendem a tentativa da Igreja de destituir a mulher dos direitos sobre seu corpo e a proibição do uso da camisinha. Não concordo que a homossexualidade seja um pecado. E acho pouco cristão proibir o uso da camisinha quando na África as pessoas estão morrendo como moscas por causa da aids.
Deputado, seus colegas da bancada religiosa da Câmara são ferrenhamente contra as leis de defesa aos homossexuais, como a que criminaliza a homofobia, alegando uma preservação da família e respeito aos dogmas cristãos. Porém, o Estado é laico, como todos sabem. Visto isso, estamos diante de uma enorme hipocrisia ou de opiniões inconstitucionais?
Vinicius D. Soares, Panambi/RS

Wyllys - A constituição garante a todos o direito de opinião. Os deputados evangélicos têm lá suas opiniões acerca da homossexualidade, todas baseadas em seus dogmas religiosos e não no conhecimento científico que a humanidade acumulou no último século. Esse comportamento pode estar de acordo com o que a igreja espera deles, mas não de acordo com o que se espera de um parlamentar que vive numa república federativa e jurou defender os princípios da Constituição cidadã de um Estado laico.
Quero parabenizá-lo pela sua luta frente aos preconceitos com a minoria e a coragem por exercer tal luta. Frente às críticas de conservadores à união homoafetiva, homologada pelo STF, comentários de alguns políticos e a suspensão do kit Brasil sem homofobia pela presidência, quais suas perspectivas em relação ao Projeto PLC 122 [projeto de lei que torna crime a homofobia]? Maria Roberta
Martins de Almeida, Recife/PE
Wyllys - Maria, obrigado pela força e carinho. Estou apenas cumprindo minha função de parlamentar comprometido com a promoção da justiça social e dos direitos humanos. Em relação ao PLC122, as perspectivas melhoraram um pouco. O projeto se transformou: ganhou um apensado cujo texto está sendo construído pela Frente Parlamentar Mista pela Cidadania LGBT e, depois de submetido às diferentes representações do movimento LGBT, será discutido tanto na Câmara quanto no Senado com as bancadas evangélicas. A ideia é que se chegue a um acordo que não seja ruim para os LGBTs e assegure a livre expressão religiosa e que permita que o projeto seja votado até outubro.
Com milhares de problemas e injustiças no Brasil, não é muito pouco se apegar apenas à bandeira de defesa do homossexuais?Willian Brazil, Angra dos Reis/RJWyllys - Willian, qualquer consulta básica ao site do meu mandato ou qualquer acompanhamento um pouco mais atento de minha atuação parlamentar pela TV Câmara ou pelo site da Câmara vai mostrar que eu não me apego “apenas à bandeira da defesa dos homossexuais”. Informação de qualidade e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Só para você ter uma ideia, todos os projetos que votei ou audiências públicas que propus na Comissão de Finanças e Tributação nada têm a ver com a questão da homossexualidade; têm a ver com os direitos dos consumidores, dos contribuintes, dos idosos, dos servidores públicos e etc. Mas ainda que eu me apegasse apenas a essa bandeira, isso não deveria ser um problema já que os homossexuais até então nunca contaram com um parlamentar que defendesse seus direitos sem ressalvas ou senões (e olha que LGBTs correspondem a 10% da população – estatística subestimada) e já que existem outros deputados que se dedicam a apenas um tema e nem por isso são patrulhados. Além disso, é preciso que se entenda que “os problemas e as injustiças do Brasil” deveriam ser mais uma preocupação do poder Executivo, seja em nível federal, estadual ou municipal; logo cobranças como essa deveriam ser dirigidas mais ao presidente, aos governadores e aos prefeitos.
Na sua opinião, quanto tempo mais será necessário para o Brasil viver a realidade de uma “sociedade plenamente tolerante” com as diferenças humanas? Para a realização dessa “utopia possível” deveremos ter mais investimentos em “leis” ou em “educação”?
Maria Terezinha Santellano, Porto Alegre/RS
Wyllys - Maria, diz o dito popular que o futuro a Deus pertence. Porém, como Caetano Veloso, eu não espero pelo dia em que os homens concordem, mas acredito em diversas harmonias bonitas possíveis sem juízo final. E essas harmonias bonitas serão mais construídas pela educação do que por leis, embora leis sejam necessárias.
Deputado, nos últimos meses o público LGBT obteve várias conquistas, como reconhecimento, do STF, das uniões homoafetivas e até mesmo a sua conversão de algumas em casamento, pelo Judiciário. Em compensação, a agressão aos LGBTs por parte de legisladores e líderes religiosos, com seus discursos segregadores, aumentou. Como você vê o avanço da comunidade LGBT diante de tantas conquistas e, ao mesmo tempo tantos retrocessos
Renato Henrique Torres Polli, Florianópolis/SC

Wyllys - A reação conservadora vem na mesma proporção das conquistas políticas e da visibilidade de LGBTs. Quanto mais avançamos, mais os grupos conservadores recrudescem seus ataques homofóbicos. Mas haverá um dia em que eles se dobrarão aos fatos.
Imagino que a Igreja Católica, até entre os mais conservadores, seja contra a violência a homossexuais. Projetos como o PLC 122, que proíbe igrejas de pregar suas doutrinas, e o caso dos uso de imagens de santos em preservativos não afastam o movimento gay de quem poderia estar ao lado deles na luta contra os verdadeiros homofóbicos?
Artur Silva, Belo Horizonte/MG
Wyllys - Artur, se você ler o PLC 122, verá que o projeto não proíbe qualquer igreja de pregar suas doutrinas. O projeto tem o objetivo apenas de proteger os LGBTs, mulheres, idosos e pessoas com deficiência da injúria, da difamação por meio de discursos de qualquer natureza e dos atos discriminatórios que os impedem de acessar direitos e de expressar publicamente seu afeto e sua identidade cultural. É isso. Quanto às imagens dos santos, embora eu nada tenha a ver com o uso delas na Parada [15ª Parada Gay de São Paulo, realizada em junho), é preciso que fique claro que elas não foram usadas em preservativos, mas, sim, em cartazes de uma campanha de prevenção ao HIV nos quais se lia "Nem santo te protege. Use camisinha". Ora, se a Igreja se mostra insensível ao drama das pessoas que se infectam com o HIV, sobretudo na África negra, proibindo o uso da camisinha, qual o problema da militância recorrer aos ícones dos santos para estimular o uso da camisinha? Os ícones cristãos, antes mesmo do Renascimento, sempre apresentaram certo erotismo. Os cartazes da campanha na Parada apenas acentuaram esse erotismo, algo que a Madonna já havia feito num de seus clipes e algo que se repete todos os anos na escalação de galãs globais para viver Jesus na Paixão de Cristo em Nova Jerusalém. Por que reclamar só dos cartazes da Parada?
O senhor tem feito declarações bombásticas contra os cristãos, indistintamente. O senhor considera que para abrir caminho às reivindicações dos homossexuais a melhor via é a remoção das raízes judaico-cristãs da sociedade brasileira?
Ednilson Souza, Brasília/DF
Wyllys - Ednilson, essa história de que tenho feito "declarações bombásticas contra os cristãos" não é verdadeira, como não é verdadeira a notícia que circula por email de que eu declarei guerra aos cristãos. Essas mentiras fazem parte de uma campanha difamatória orquestrada por aqueles que se opõem à extensão da cidadania aos homossexuais. Quando teço críticas a cristãos, faço questão de frisar que estou me referindo aos cristãos fundamentalistas ou fanáticos, ou seja, àqueles que desprezam o conhecimento científico e fazem leitura ao pé da letra ou enviesada de certos trechos da Bíblia, esquecendo-se convenientemente de outros. Nunca propus a "remoção das raízes judaico-cristãs da sociedade brasileira", até mesmo porque isso é impossível; o que não quer dizer que, para o bem comum, os frutos amargos dessas raízes não tenham que ser jogados fora.
Qual o caminho para educar as pessoas para entenderem que defender os direitos dos homossexuais não faz você ser mais ou menos hétero e que isso não é apologia nem incita o homossexualismo?
Renta Mitidiere, Varginha/MG
Wyllys - Renata, o caminho é garantir à população, sobretudo à de baixa renda, por meio de políticas públicas, uma educação formal de qualidade que não se preocupe apenas em reproduzir, sem reflexão, o conhecimento, mas, antes, preocupe-se em desenvolver valores humanistas, a consciência da diversidade humana e o respeito por essa diversidade. É claro que, entre essas políticas públicas, está a valorização social do professor por meio de salários dignos e de programas de formação continuada que os levem a quebrar seus preconceitos e seu senso comum. Outro caminho paralelo é pressionar as mídias de massa – responsável pela educação informal ao lado da família e dos grupos de amigos – a estimular mais os valores humanistas e a representar positivamente os grupos historicamente difamados, entre os quais os LGBTs. Infelizmente uma política pública de educação nesse sentido – o projeto Escola Sem Homofobia – foi suspensa pelo Ministério da Educação devido a tenebrosas movimentações políticas de parlamentares e setores da mídia que se opõem à cidadania plena.
Como enfrentar a resistência de setores conservadores no Congresso, que tentam impedir a extensão de direitos a grupos tradicionalmente discriminados , como homossexuais, negros e deficientes físicos? E o quanto a tradição religiosa da cultura brasileira afeta as discussões no Parlamento
Jefferson Tavares, Juazeiro do Norte/CE
Wyllys - Embora constitucionalmente o Estado seja laico (ou seja, não deva se guiar por paixão ou dogma de qualquer religião), a influência das igrejas cristãs sobre ele é enorme, basta ver o número de deputados que são pastores, cantores gospel ou diretamente ligados a denominações cristãs. O problema é que muitos desses parlamentares perdem o espírito republicano, esquecem-se dos princípios da Constituição e atuam a partir dos dogmas de sua religião, buscando negar direitos a grupos vulneráveis e restringir as liberdades civis. A única maneira de enfrentar esses grupos é por meio de política que amplie, no Congresso, os parlamentares com o espírito republicano e que respeitam a Constituição.
A deturpação da verdade por setores conservadores da sociedade no que diz respeito a alguns projetos LGBT não seria, na sua opinião, uma tentativa desesperada dos mesmos de frear a evolução de uma sociedade, principalmente o setor mais jovem, que vem se mostrando cada vez mais tolerante com os homoafetivos?
Flávia de Oliveira, Piracicaba/SP

Wyllys - Acho que você tem razão em parte, Flávia. Assusta-me perceber que há também muitos adolescentes e jovens profundamente intolerantes e que vivem de disseminar seu preconceito e ódio nas redes sociais.
A simples existência de legislações que visem a proteger os homoafetivos já não denota uma discriminação?
Izabella Torres, Belo Horizonte/MG

Wyllys - Não, Izabella. Na verdade é o contrário: o fato de não haver leis que assegurem, aos homossexuais, o direito inalienável à vida, à dignidade e à felicidade é que denota uma discriminação inadmissível numa república democrática.
O ex-secretário de alfabetização do MEC disse em uma audiência na Câmara dos Deputados que levou três meses estudando "até onde a língua de uma menina deveria entrar na outra" por ocasião de um filme contra a homofobia que iria passar nas escolas. Como o senhor estava presente nessa audiência, eu lhe pergunto: O senhor acha que esse filme deveria ser passado nas escolas para crianças da 6ª série em diante? Caso sim, o senhor não acha que teria um efeito rebote?
Eduardo Guimarães, Arraial do Cabo/RJ
Wyllys - Caro Eduardo, eu estava nessa audiência (no Senado e não na Câmara) a que você se refere e posso lhe dizer que a frase do secretário foi apenas uma brincadeira que não corresponde ao conteúdo do vídeo. Os vídeos do Escola Sem Homofobia são absolutamente adequados a alunos a partir da 6ª série. Posso garantir que o conteúdo dos vídeos é mais didático e tem menos erotismo, bem menos erotismo, que as histórias da Malhação e que as inscrições deixadas pelos próprios alunos nas portas dos banheiros. Ruim é não discutir sexualidade nas escolas com tantas adolescentes grávidas, tantos vulneráveis às doenças sexualmente transmissíveis/aids e tanta homofobia.
Citando o exemplo do deputado Jair Bolsonaro (PP-RJ), cujos comentários [contra os homossexuais] foram interpretados como “liberdade de expressão” no Conselho de Ética da Câmara, há ou não um certo tipo de abuso da liberdade de expressão hoje em dia
Marcus Vasconcelos, Maceió/AL

Wyllys - A liberdade de expressão é um princípio que precisa ser defendido. Porém, o direito à liberdade de expressão não está nem pode estar dissociado do dever de respeitar a dignidade da pessoa humana do outro nem da responsabilidades para com os grupos sociais vulneráveis à difamação e ao estigma. Não há direito sem dever. E o que se espera de um parlamentar é que ele saiba disso.
Ultimamente temos visto notícias de bullying homofóbico. Tenho 15 anos e sei muito bem o que é passar por isso. Já que o senhor representa os grupos GLBTT, gostaria de saber o que poderá ser feito na educação em geral para que as ofensas, discriminação e violência diminuam na questão de gênero, identidade de gênero, sexualidade, enfim.
Sam Moserelli, Itanhaém/SP
Wyllys - Você se refere a políticas públicas de educação, e essas são da responsabilidade do Ministério da Educação e das secretarias estaduais e municipais de educação. A nós, parlamentares, cabe-nos cobrar, do poder Executivo, essas políticas e fiscalizá-las. No que diz respeito ao Projeto Escola Sem Homofobia, eu fiz a minha parte como parlamentar. Lamento que outros tenham feito o Governo Federal suspendê-la e tenham jogado a opinião pública contra ela.