Bem, como muitos já sabem, existe um
projeto de novo Código Penal sendo discutido, e logo mais saindo do
forno. É um momento crucial de discussão importante para distintas
parcelas da sociedade, interessadas na reformulação de partes dele
ou mesmo do código inteiro. Eu como feminista brasuca temporariamente
exilada tenho acompanhado as discussões que estão surgindo em
torno da questão do aborto por meio das redes sociais, da internet,
de blogs de companheirxs feministas, comunidades digitais, coletivos
de blogueirxs e do mínimo que sai nos jornais sobre o tema.
O ponto forte da discussão ainda não
é a despenalização propriamente dita do aborto, mas os casos em
que este não será punido: aborto em caso de feto anencéfalo ou
portador de doenças físicas ou mentais graves, e também por
decisão da mulher antes das décima segunda semana, caso seja
comprovado a partir da avaliação de um profissional da saúde que a
mulher não tem condições psicológicas ou físicas de arcar com a
maternidade. Como se nota, não estamos ainda diante da
despenalização do aborto, mas diante da possibilidade de o código
prever a autorização judicial para o aborto a algumas mulheres e em
casos restritos.
Por um lado, se estes novos pontos são
aprovados e incluídos no novo Código Penal, estamos dando um passo
positivo e muito importante para evitar o sofrimento de mulheres e de famílias inteiras, não se pode negar. Por outro lado, é preciso lutar para que esse novo código incorpore a premissa de que as mulheres é que devem decidir sobre seus corpos. Me explico: tanto no caso de aborto por doenças e
mal-formações graves do feto quanto no caso de que a mulher seja
declarada incapaz por médico ou psicólogo, estamos diante de casos
em que a mulher não tem o direito de decidir sobre seu corpo. A
mulher continua submetida ao poder de decisão de terceiros, tendo
que se submeter a exames e provas de médicos e da justiça,
tornando-se, ao meu ver, uma vítima deste processo de sucessivas
intervenções. Além disso, e já considerando as
imensas desigualdades sociais e raciais que caracterizam não só o
sistema judiciário como também o complexo sistema de saúde no
Brasil, é fácil imaginar de antemão que a intervenção da
medicina e da justiça nos casos de aborto pode funcionar como nova fonte de
privilégios e privilegiadxs.
Todos sabemos que a prática do aborto
é uma realidade concreta no Brasil e no mundo, independente das condições de legalidade, entre todos os tipos
de mulheres, de distintas classes, camadas, etnias, religiões,
estados civis etc. A questão é que, devido à proibição do aborto no Brasil, mulheres com melhores
condições materiais realizam abortos clandestinos em melhores condições, podem
pagar por profissionais de saúde especializados e submeter-se ao
procedimento em uma clínica limpa, com o apoio necessário, os
remédios, assistência e sigilo absoluto. Mulheres pobres e que
pagam pouco realizam abortos sem as
devidas condições e apoio, em lugares que nada tem a ver com clínicas, na melhor das opções. Em casos tão
extremos quanto reais e frequentes, porém, o aborto é realizado com a utilização de
aparelhos inadequados, como utensílios domésticos ou drogas
caseiras, feitos por pessoas sem nenhuma qualificação profissional
na área de saúde, correndo sérios riscos, muitas vezes adquirindo
doenças, sofrendo mutilações, e quando não morrem na hora ou
depois, são denunciadas e podem ser condenadas e presas.
Com esse quadro em mente, se nota que despenalizar o aborto é apenas um primeiro passo. É preciso oferecer condições de igualdade entre as mulheres, para que tenham pleno direito ao seu corpo, a decidir sobre ele. Nos casos de aborto por doenças do
feto ou incapacidade da mulher, é necessário defender a agilização e a desoneração dos processos de decisão pelo aborto. Defender o máximo possível a decisão da mulher sobre a dos médicos, independizar a mulher da autoridade de terceiros, também possibilitando condições para o aborto seguro e o apoio garantido e disponível no SUS.
Caso se interesse pelo tema e pela discussão, aí vão alguns links de textos afins:
-Blogueiras Feministas: http://blogueirasfeministas.com/2012/03/aborto-projeto-de-codigo-penal/comment-page-1/#comment-10495
-Prof. Vladimir Safatle na Carta Capital: http://www.cartacapital.com.br/sociedade/claramente-a-favor-do-aborto/
-Alex Rodrigues: http://alexrnbr.wordpress.com/2012/03/11/direito-ao-aborto-passos-a-frente-mas-nao-muito/