sábado, 26 de novembro de 2011

25 de Novembro - Dia Internacional de Combate à Violência contra as Mulheres

Já faz uma semana que estou pensando em quê escrever para este post. Comecei a pesquisar em blogs e na internet sobre postagens dos anos anteriores, comemorações, campanhas realizadas, etc e encontrei informações fantásticas. Diante de textos tão originais com opiniões muitas vezes tão aproximadas da realidade e dos números quase desisti de escrever sobre um assunto tão importante, infelizmente também variado e complexo. Para não chover no molhado e poder contribuir para a reflexão sobre a violência contra a mulher resolvi contar um pouco de como eu – mulher, jovem, estudante universitária, branca, classe média baixa, brasileira - percebo a violência de gênero em meu cotidiano. Como se pode notar a partir dessas características que citei de meu perfil social, não sou ou pelo menos não me classifico como integrante da parcela de mulheres que são o alvo mais agudo da violência, mas acho importante contar algo da minha percepção disso, não só porque ela pode coincidir com a de muitas outras pessoas, mas porque ao romper esses silêncios que enredam nossas vidas cotidianas podemos desnaturalizar nossas atitudes ao ponto de nos descobrirmos não só como vítimas, mas também como perpetradorxs.

Já fui alvo de piadas machistas, desprezo e comentários infelizes, mas até onde me lembro nunca fui ameaçada ou perseguida por ser mulher no ambiente de trabalho nem na universidade. Me lembro de episódios de caras que se sentiram no direito de me assediar porque eu me comportei de maneira gentil e simpática, mas na época sequer pude imaginar que isso era violência de gênero - „afinal, o que mais tem nesse mundo é homem folgado“, pensava. Até uns anos atrás não formulava esse tipo de questão nos termos „de gênero“. Mas algo que sempre tive muito presente, uma percepção da que tenho lembranças que vêm desde os meus dez, onze anos de idade, é a da diferenciação muito clara e reiterada, entre os membros da minha família, entre homens e mulheres, e seus respectivos lugares, obrigações, modos de se comportar, pensar, falar, amar, viver.

Sim, as minhas lembranças e percepções mais tristes da violência de gênero eu associo ao espaço de convivência familiar e aos membros de minha família. Foi lá que eu descobri – ou que me informaram? - muito cedo de que eu era mulher, e de que portanto eu não era homem. De aparentemente tão óbvio parece até bobo. Mas eu não me refiro ao fato de que quem tem vagina não tem pênis. Isso era só o começo de tudo. Mas me refiro ao fato de que para tornar-se mulher ou homem, na minha família, se necessitava caminhar caminhos muitos distintos. Descobri na infância que eu era menina e portanto não podia sair de bicicleta na rua com os primos. Que eu era menina e portanto tinha que lavar a louça dos homens enquanto os meninos sequer recolhiam os pratos da mesa. Que eu não podia ir pescar mas tinha que ajudar a limpar os peixes. Que quem soltava as pipas imensas que meu pai fazia eram meus primos e não eu e minhas irmãs, porque não tem graça soltar pipa com meninas. Que eu tinha que escutar e aceitar calada que dirigir não é da natureza da mulher, mas homens nascem sabendo. Que eu tinha que entender que era para meu próprio bem que eu amargava as noites do fim de semana em casa, porque „os bodes estão soltos então tem que amarrar as cabritas“.

Não sei se por sorte ou por necessidade, me dei conta também muito cedo de que eu não queria nada disso para mim. Por outro lado, não é fácil digerir a violência e seus tentáculos quando ela vem de dentro de sua própria família, e disputa com você as suas origens. Já não vivo com a minha família há oito anos, mas frequentemente me vejo às voltas com situações absurdas de autoritarismo machista. Prova de que ele ainda existe e infelizmente dita o refrão por lá, é que eu só ganhei um certo espaço no „diálogo“ depois de um certo tempo que já estava longe. Com minha mãe isso continua igual a quando eu ainda morava lá: no caso de que ela tenha a razão em uma discussão, palavras de ordem de quem „traz a comida pra dentro de casa“ valem mais do que a de quem „só põe a comida na mesa“. Menosprezo da sua opinião, a „perda da paciência“ justificada por haver sido contrariado ou ainda a ridicularização do ponto de vista dela são infelizmente as estratégias para vencer qualquer negociação – veja só, eu quase que escrevo „vencer um diálogo“!

Pois é. Nesse dia 25 de novembro, dia internacional de combate à violência contra a mulher, não consegui escrever um texto que fosse mais abrangente, ou teórico, ou literário. Tive a impressão de que tudo que tentei escrever acabava impregnado por essa percepção pessoal da violência simbólica e psicológica como a sementinha podre dessa história. Escrevi e publico este texto contaminado de pessoalidade porque acredito que política deve começar em casa, a partir de discussões e conversas cotidianas. Possivelmente muita gente que leia este texto não encontre muito o que aproveitar. Mas quis, mesmo assim, compartilhar desse esforço de romper com o silêncio que encobre a violência de gênero. Esforço este que nesse dia 25 de novembro é coletivo, e que representa mais que nada a imensa vontade que une mulheres dos mais variados tipos acabar de superar a desigualdade.


* Este texto responde à chamada para blogagem coletiva das Blogueiras Feministas #FimDaViolenciaContraMulher: http://blogueirasfeministas.com/2011/11/blogagem-coletiva-fim-da-violencia-contra-a-mulher/