sexta-feira, 2 de setembro de 2011

I Prague Pride statt I Slut Walk Berlin 2011

Pois é, acabei não indo na Slut Walk Berlin no dia 13 de Agosto, apesar de ter feito a maior propaganda e de ter agitado um montão de gente pra lá. Na verdade uma fatalidade me levou à primeira Parada Gay de Praga (Prague Pride 2011), que acontecia no mesmo dia... Sem suspense, a tal fatalidade foi uma viagem de férias que só podia ser feita entre os dias 12 e 17 de Agosto, e em determinadas condições muito específicas. Então você que me lê (se é que alguém me lê...hehehe) pode estar pensando „oh coitada, que fatalidade! Teve que fazer uma viagem de férias!“

Ok, então considere que você mora a quatro horas de Praga de carro por quase dois anos, nuuuuunnnca teve tempo e muito menos dinheiro – os dois ao mesmo tempo, então nem se fala – pra empreender uma viagem pequena e simples durante esses dois anos. De repente sua estadia na Europa, que deveria durar pelo menos mais um ano, se vê ameaçada, porque você é estudante, estrangeira, pobre e de família classe média baixa conservadora (para eles eu já estudei o suficiente para uma dona de casa, e se continuar estudando nunca vou encontrar um marido que me queira...), e por tudo isso você e seu namorado decidem chutar o barraco e gastar todo o dinheiro que vocês teriam para sobreviver agosto (que não é muito, mas é tudo o que nós tinhamos) com essa viagem.

Ah, claro, viajando com o dinheirodapinga mais o trocodopão, nos obrigamos a incluir algumas aventuras extras em nossa viagem, como por exemplo: fazer todos os trajetos de carona (porque o trem é uma beleza mas custa uma fortuna); economizar o $$ do hostel fazendo Couchsurfing (leia-se: ficando na casa de desconhecidos, em situações surpresa, e em nosso caso, demos muita sorte, mas tivemos que tomar banho gelado!); viajar „sem chances para a improvisação“ e para imprevistos, porque qualquer aspirina extra significaria DÍVIDA! Ainda não tô dizendo que tudo saiu chiboquinha na chupeta... só tô contando que, apesar das condições de aperto e da loucurinha que significava fazer essa viagem, era agora ou nunca! Mesmo porque a próxima pode ser a viagem de volta, com uma mão na frente e outra atrás, e as duas abanando...

Mas voltando ao assunto Slut Walk e Prague Pride!! Claro claro claro que não é a mesma coisa, e se pudesse teria estado nas duas! Mas ambas têm muitas coisas em comum, como por exemplo, tornar visível a luta pela liberdade dos oprimidos pela heteronormatividade, que como muitas feministas sabem e defendem hoje em dia, é patriarcalista, e se relaciona, por exemplo, com a produção do machismo, da misoginia e da homofobia. Me lembrei de um trecho que adoro, escrito pela Deis Siqueira no prefácio do livro A reinvenção do Corpo, da Berenice Bento, cuja menção agora é muito oportuna, já que fala sobre o encontro das teorias e demandas feministas com as de outras minorias sexuais. Nas minhas palavras (vou por a citação certinha aí embaixo)*, o trecho diz mais ou menos que, se a opressão das mulheres é um fato histórico incontestável, a opressão não somente sobre as mulheres – e no caso dos personagens de Berenice, @s Transexuais – é um fato sociológico incontestável. Não se pode, portanto, pensar o gênero sem pensar simultaneamente em sexo e opção sexual. Logo, muitas das questões que a Slut Walk quer visibilizar têm tudo a ver como uma série de demandas da comunidade GLBTTIQS. Exatamente ao aprofundá-las, nos deparamos com uma raíz comum a diversos problemas, que é a heteronormatividade fundamentadora da sociedade ocidental em que nós vivemos.


...E por esse motivo fiquei muito contente quando liguei a TV em Praga no sábado e, mesmo não entendendo uma gaivota de tcheco, consegui encontrar o local e a hora certos da parada, e ainda participar dela com meu respectivo (que foi todo feliz vestir-se com uma roupa colorida para combinar com as bandeirinhas da parada), um amigo nosso que foi junto, e a garota super simpática que eu conheci via Couchsurfing, e que nos hospedou em sua casa. Como todas as paradas que conheço (de Sampa e de Berlim), estava muito bonita, divertida e foi também muito importante. Imaginem-se que era a primeira parada de Praga, depois de anos que as paradas já vêm acontecendo em todo o mundo! Apesar de pequena e curta, foi super interessante, bem organizada, e claro, animadíssima, por conta dos DJs que se sucederam (eu só vi dois mas soube que teve outros) e das Dragqueens fantásticas, que são presença obrigatória e de honra nas paradas. Fiquei pouco tempo por lá, por conta de ter que otimizar tempo e dinheiro, e ter que ainda ir atrás de casas de cambio (aliás, se vc for para Praga, me pergunte sobre as casas de cambio, pra não fuder e perder tanto $$ como a gente!).

Antes de terminar esse post, não poderia deixar de mencionar que também houve uma contra-parada, organizada pela igreja, que tinha como objetivo conter a marcha gay e „conscientizar“ a juventude do „pecado da homossexualidade“. Como se sabe, as igrejas, tanto católicas quanto evangélicas, muçulmanas, judias, etc etc etc, não só têm um importante papel na construção e afirmação da heteronormatividade, por exemplo afirmando a idéia de família (patriarcal, formada a partir de um par heterossexual e hierarquizado no qual o indivíduo feminino se sujeita ao domínio e proteção masculinos) como unidade básica da sociedade, como também se sustentam sobre este mesmo princípio, responsável por domesticar as sexualidades, os indivíduos, as mentes, o prazer, e manter „cada macaco no seu galho“, como se macaco já nascesse com galho cativo. Infelizmente, em nome dessas e de outras idéias, que em muitos momentos são levadas ao extremo, até os dias de hoje muitas pessoas sofrem perseguições e são vítimas de discriminações de todo tipo, e de violência verbal, psicológica e física.


 A gang do Ratzinger, infelizmente formada em sua maioria por jovens na casa dos 20 anos, marchou de encontro à turma do arco-íris segurando cartazes, faixas e gritando frases (em tcheco, não me perguntem!). A idéia dos religiosos era realmente tentar conter a parada antes que ela chegasse ao seu destino, que era uma das pequenas ilhas do Rio Moldava, zona central e turística da cidade. Obviamente não conseguiram, porque eram a minoria, e ficaram na entrada da ponte que descia para a ilha rosnando e ranhetando. Sem querer banalizar uma manifestação feita por gente mais velha, e inclusive falando de maneira muito generalizada, eu acho que não teria me afetado tanto como me afetei com esta contra-parada, se a maioria dos participantes tivesse a idade dos meus avós, estourando a dos meus pais (que sorte que o sofá lá de casa é muito confortável para que meus pais atendam a seus ímpetos conservadores e saiam pelas ruas!). Senti tristeza e vergonha alheia em ver que a galera que empunhava a bandeira e que praticamente entoava os gritos da contra-parada eram jovens da minha idade.


* Nas palavras de Deis Siqueira: "Nós, feministas, partimos da opressão das mulheres. Fato histórico incontestável. Porém, a autora avança: a opressão se dá não apenas sobre as mulheres, mas há lugares infinitos de interlocuções/diálogos/possibilidades entre esses três lugares: fato sociológico incontestável. Não se pode pensar gênero sem se pensar, simultaneamente em sexo e opção sexual. E a reflexão também avança na possibilidade de interlocução entre as Ciências Humanas e as Ciências Médicas.". Retirado de Bento, Berenice. A Reinvenção do corpo: sexualidade e gênero na experiência transsexual. Rio de Janeiro: Garamond, 2006

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