Minha mãe tem cheiro de criança.
Mesmo quando come alho, usa perfume,
toma ou deixa de tomar banho,
minha mãe tem cheiro de criança.
Quando eu era criança
eu tinha o cheiro da minha mãe,
e toda a roupa que eu usava,
e a comida que eu comia feita por ela,
e o sofá, e a casa,
e as nossas vidas
- de minhas irmãs, de meu pai,
dos gatos que a gente tinha -,
tudo tinha o cheiro da minha mãe.
Nunca vou saber se eu é que via em tudo o cheiro dela,
ou se minha mãe está perdendo o cheiro,
e as coisas, e as pessoas.
Algo parece que se dissolve,
e a denúncia da ausência
do cheiro de minha mãe,
e as coisas indefinidas,
e os ventos que antes traziam
e agora levam
e a vida,
esse truque de prescindir de permanências.
E a despeito desses imperativos,
das impermanências certeiras e impiedosas
eu sigo buscando o cheiro da minha mãe
nos cantos das minhas imperfeições,
nas minhas frestas,
nos vazios que tenho
tão transbordados.
* Escrevi esse texto em 15 de outubro de 2009. Naquele dia como agora, lembrava dos olhos úmedos da minha mãe, que enxergam muito e perdoam demais.
Nenhum comentário:
Postar um comentário